A criança até os 9 anos, principalmente no 1º. setê
nio, está em um intenso processo de
formação de seu corpo físico. Sabe-se também que a
criança desta fase aprende tudo por
imitação dos adultos que estão à sua volta como ref
erência. No canto não é diferente: a
laringe da criança imita os movimentos da laringe d
o adulto ao cantar e falar, sendo que a
atividade da laringe é controlada pelo ouvir. O que
ouvimos acompanhamos com toda a
organização muscular da nossa laringe. A criança en
tão entra em contato com os tons, com
o mundo musical, a partir da escuta e da reprodução
(imitação) do canto que tem como
referência. Pensando assim, podemos começar a enten
der porque é tão importante que o
canto do professor seja afinado e torne-se uma refe
rência adequada à criança,
principalmente no caso do professor que canta diari
amente. O adulto que cuida da criança
pequena deve estar sempre observando a intensidade
e qualidade dos estímulos sonoros
colocados a ela. Pode-se citar aqui Michaela Glöckl
er, em seu livro “Consultório
pediátrico”, que coloca que a criança pequena revel
a-se incapaz de manter-se distanciada
das impressões sonoras; com todo seu corpo tão sens
ível, ela participa diretamente de todas
as impressões que lhe chegam.
O desenvolvimento de um canto afinado está associad
o a diversos fatores. Tratando-se dos
aspectos físicos, se pode citar a constituição anat
ômica e fisiológica do trato vocal, bem
como os fatores neurológicos das áreas cerebrais re
sponsáveis por audição, musicalidade e
expressão vocal. Além dos aspectos físicos, está o
âmbito psíquico e o social, os quais se
associam diretamente à existência de um ambiente se
guro e confiável, desde a mais tenra
ntegral do ser humano, à capacidade do
indivíduo interagir e se comunicar com o meio, além
dos modelos vocais e musicais
proporcionados pelo ambiente.
Na minha experiência como professora de música do j
ardim ao 4º. ano na escola
Turmalina, em Curitiba, pude observar que em classe
s em que a turma tinha uma boa
referência de afinação desde o jardim ou do 1º. ano
, foi muito fácil e prazeroso trabalhar
com cânones e músicas a duas vozes quando estas cla
sses chegaram no 3º. e 4º. anos. A
música fluiu com naturalidade, beleza, com vida. As
crianças já tinham um canto
internalizado e não precisavam muito esforço para p
roduzir um canto bonito e afinado. Já
em turmas em que o professor de classe não consegui
u um bom referencial, percebi que as
crianças foram deseducando seu canto, foram “aprend
endo a desafinar” e, desta forma, foi
extremamente difícil trabalhar com as músicas a dua
s vozes, pois as crianças tinham muita
dificuldade de afinar até em uníssono. Outro ponto
muito interessante que observei foi que
nestas turmas a desafinação não se deu somente no c
anto, mas também na unidade da
turma. Quando cantamos em grupo, todos em mesmo tom
, conseguimos uma harmonia, um
equilíbrio do grupo. Conseguimos com o canto trazer
a classe para a mesma freqüência, a
mesma sintonia. Porém, quando cada um mantém um tom
e a turma não consegue chegar
numa afinação uníssona, este processo de harmonizaç
ão fica inviável. Além disso, percebi
inclusive maior desafinação no momento de tocar fla
uta, por exemplo. Para se tocar afinado
na flauta doce é muito importante a escuta, a perce
pção do outro e adequar a afinação no
sopro. Nestas classes até este processo ficou mais
difícil comparado com outras.
Citando RONNER: “Um professor com saúde também irra
dia forças saudáveis dignas de
imitação e através delas muitas crianças podem se e
levar e se orientar a partir de si
próprias. A voz é um meio tão íntimo de expressão d
o ser humano que, de modo ‘não
verbal’, portanto puramente através do tom de voz d
a individualidade do professor,
muitíssimo se manifesta. E igualmente a criança com
voz desafinada pode significar uma
restrição ou limitação da expressão, da revelação d
e uma individualidade. Quando tal
sombra é tratada cedo, ela pode ser aclarada e a pa
leta de expressão da voz pode ser levada
a uma voz pronta para o canto”.
Tendo plena consciência da importância da referênci
a do canto afinado para a criança, é
essencial que esta questão seja trabalhada com todo
s os professores atuantes e que este seja
um ponto importante a constar na entrevista dos nov
os professores que estarão atuando com
as crianças. O professor com dificuldades neste asp
ecto deveria comprometer-se a se
desenvolver individualmente e contar sempre com a a
juda do professor de música da
escola. O importante é querer melhorar neste sentid
o e trabalhar a sua voz diariamente.
Segundo Frau Werbec, todos podem desvendar a sua vo
z no canto e existem muitos
exercícios para isso que devem ser realizados diari
amente
Um primeiro passo para todo professor é ter consciê
ncia de sua voz, saber se está
conseguindo afinar no canto e saber da importância
que seu canto terá no desenvolvimento
vocal das crianças. Outro ponto a se observar é a s
ua interpretação nas músicas, como o
professor se relaciona com cada música trazida às c
rianças. Vida e fluidez nas canções
ajudam a criança a entrar no universo da música, a
se identificar e fazer parte dele. Isso
inclusive facilita o processo de afinação. Uma outr
a dica é pegar o tom em um instrumento
antes de cantar. Geralmente, a tendência de muitos
professores é cantar em um tom mais
grave, mais confortável para a voz adulta, o que ne
m sempre é adequado à tessitura vocal
infantil. No caso do professor homem, ele pode most
rar aos alunos que irá cantar em uma
oitava abaixo (ele cantará como um gigante) e que a
s crianças cantarão como anjos ou
fadas em uma oitava acima, por exemplo. Mais uma di
ca para o professor que não se sente
seguro em sua afinação é de quando for ensinar uma
música nova, pedir primeiro para o
professor de música trabalhar a canção com os aluno
s. Assim, no momento em que o
professor de classe for cantar com eles, as criança
s já estarão familiarizadas e poderão
ajudar o professor a conduzir a linha melódica.
Cantar é parte da condição de ser humano em totalid
ade. O canto está muito interligado à
formação da identidade de cada um e para poder trab
alhar com a voz, é preciso também
estar preparado para transformar um pouco de si mes
mo. Se cada professor tiver esta
consciência e disposição de se desenvolver, muitas
questões poderiam ser sanadas nas
escolas e seria possível cada vez mais classes afin
adas e com um desenvolvimento vocal
muito saudável.
“Desenvolver a habilidade de cantar afinadamente, d
e utilizar a voz de maneira saudável,
de expressar os sentimento através da voz resulta n
a incorporação de uma forma prazerosa
de comunicação intra-pessoal e de contato com as em
oções. Possibilitar a um indivíduo vir
a tornar-se afinado, na idade adulta, implica coloc
ar a sua disposição um importante meio
de integração e comunicação com seu meio, além, obv
iamente, dos ganhos pessoais de
auto-realização.KRATOCHVIL
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